Poesia Cearense

Antônio Tomás Artur Eduardo Benevides Antônio Sales Antônio Bezerra Linhares Filho Patativa do Assaré Ruy Vasconcelos Carlos Augusto Viana Arievaldo Viana Klévisson Viana Gerardo Mello Mourão Thomaz Pompeu Lopes Ferreira Ítalo Anderson Lívio Barreto Emília Freitas Quintino Cunha Álvaro Martins Soares Bulcão Otacílio de Azevedo Rogaciano Leite Paula Ney Osvaldo Chaves José da Cruz Filho Cego Aderaldo Rodolfo Teófilo Júlio Maciel Adolfo Caminha Antônio Girão Barrosos

Augusto Linhares

ALÉM, MUITO ALÉM…

Alongo os olhos da saudade, e a terra Adusta vejo, qual se lê no poema: — No horizonte ainda azula aquela serra, Que foi meu berço e o berço de Iracema.

E o meu sertão em flor! E as vaquejadas… E as alvas praias, verdes de coqueiros! E os verdes mares, brancos de jangadas… Como inda os vejo — os rudes jangadeiros!

De tudo aquilo ver, sonho acordado Esquecendo reveses! E aos risonhos E verdes anos meus volvo encantado! Oh! como é verde o vale dos meus sonhos!

A S Ê C A

Secaram-se de todos as lágrimas das fontes. GUERRA JUNQUEIRO.

Tudo a seca levou… Oh! maldição! Tudo! O gado, o cavalo, a plantação… Não cabe em peito humano tanta mágoa: A fome, a sede, a peste, a morte — o inferno! Só o homem resiste! e ainda espera o inverno, Postos, no Céu, os olhos rasos d’água!…

A RENDEIRA

A rendeira o dia inteiro Faz renda em sua almofada; E em seu labor costumeiro Nunca, nunca ela se enfada.

Bilros estala entre os dedos, E ai, Jesus, como os estala! Deles ouvindo os segredos, Ouvindo deles a fala!

Os espinhos espetando Para que a linha se prenda; Vai tecendo, vai traçando O seu desenho na renda.

E esta Aracne sertaneja, Do meu torrão nordestino, A vida inteira moureja, Alheia ao próprio destino.

MÃE PRETA

Quando Dodora ao céu chegar — é minha crença, E ao Chaveiro disser: — Dá licença, meu Santo ? São Pedro, vendo-a, lhe dirá com certo espanto, — Você, Dodora, não precisa de licença!…

E a porta lhe abrirá paternalmente. E ela, Para de todo ser feliz numa tal hora, Seu cachimbinho acende. Acende-o numa estrela; Mas São Pedro lhe diz: — Não, aqui não, Dodora…

Barbosa de Freitas

UMA LÁGRIMA

               A JOSÉ T. DE MIRANDA

“Repousa lá no céu eternamente E eu viva cá na cerra sempre triste” Camões-

Morreu quem n’este mundo eu adorava, Quem foi sempre na vida uma alegria! Morreu aquele anjo que encantava E que na terra chamado foi — Maria…

Legou-me a soledade, o pranto ardente, A frieza fatal de uma aflição!… E quem é que antevendo um morto ente Não sente esmorecer-lhe o coração?!…

Alguém… mas eu que sempre a ouvia Cantar, e sempre cheio de prazer, Eu, que tive a desdita, oh! quem diria… De vê-la em leito frio ali morrer!…

Expirou ao meu braço reclinada, Lançou sobre mim o último olhar!… Foi como o terminar d’uma alvorada" Nas pavorosas ondas do alto mar!

Bomfim Sobrinho

NOIVADO FÚNEBRE

Negra tristeza o meu semblante encova. Oh noiva minha, oh lírio meu fanado!… Por que não vamos na mudez da cova Em círios celebrar nosso noivado ?

Nos sete palmos desse leito amado, Ao frio bom de uma volúpia nova Embalará o nosso amor gelado O coveiro a cantar magoada trova.

E os nossos corpos, gélidos, inermes, Em demorados e famintos beijos Serão depois roídos pelos vermes ;

E do leito final, que nos encerra, Em plantas brotarão nossos desejos, E nosso amor em flores sobre a terra.

Beni Carvalho

DESCENDO O JAGUARIBE

Outubro! O sol se esvai no ocaso poento, À tarde entoando os salmos da agonia… E pela encosta, e, pelo azul nevoento, Passa, smorzando, ao longe, a ventania…

Por toda a natureza, um vão lamento Curva-se à luz crepuscular, sombria; E o mangue, a ramalhar, a litania Da saudade, traduz na voz do vento.

Guaiam maretas brancas, uma a uma, Como se um pranto em fio lhes brotasse Dentre os flocos alvíssimos da espuma!

Esponta o luar no firmamento em fora: Quanta tristeza, desse rio, nasce!… Quanta saudade, nessas praias, chora!

CARLYLE MARTINS (CE, 1899 - 1986)

E S T Ó I C O

Pelo caminho estreito em que ora sigo, Pisando em cardos, sob um céu escuro, Não vejo a paz serena de um abrigo, Nem sol que aclare as trevas do futuro.

Encontrar leve alfombra não consigo, Em toda parte o solo é áspero e duro, Mas, no árduo impulso do vigor antigo, Em seguir a jornada me aventuro.

Viva eu a dores infernais sujeito, Pedradas rudes batam no meu peito, Pervague à toa, esquálido e sozinho,

Sei que a mágoa da vida é transitória, E hei de um dia cantar, de amor e glória, Vendo estrelas e sóis no meu caminho.

C O N T E M P L A Ç Ã O

Sempre a existência é calma nesta vila, Onde os dias parecem ser mais lentos, Toda paisagem mostra-se tranqüila , Sem vislumbres de queixas e tormentos.

Ao longe a serra, aberta em flor, se anila, Envolvida em lençóis longos, cinzentos… O gado passa, em demorada fila, A mugir em tristíssimos lamentos.

Rincão de sonho e paz, nele consigo Versos fazer a certo amor antigo, Que floresceu em minha mocidade.

E quando a note vem, calma e sombria, Diante do céu, minha alma se extasia, Lembrando os dias idos, com saudade.

V E S P E RAL

A Leila Míccolis

No silêncio da tarde ansiosa que esmorece, Aos lampejos do sol, que no ocaso declina, Penso que aos céus se eleva o surto de uma prece, Entre espirais de luz violácea e purpurina.

     Verdeja muito ao longe a luxuriante  messe,

     Que encanta os corações e o espírito domina.

     Do açude, como espelho ideal que resplandece,

     Ouço o lento rumor das águas em surdina.

Aproxima-se a noite, ensombrado o horizonte,

Vislumbra-se o perfil azulado de um monte,

De sombras um cortejo envolve a imensidade.

     Hora de indecisão, de torpor, de agonia,

     Em que existe inquietude, ante a morte do dia,

     E espalha-se por tudo a névoa da saudade.

CélSAR LEAL

ANTÔNIO CONSELHEIRO

Cheguei à Terra e em Canudos fiquei.

Cercado pelo muro das colinas

A missão do destino comecei.

Uma Igreja de rústica beleza

De pedra e cal ergui até os céus

Ao Ministro maior da natureza.

Ao concluir a enorme Catedral

Olhei a torre, levando até o bronze

A força do metal contra o metal.

Quando o sino vibrou tremeu a Terra.

A luz do Setestrelo se apagou

E contra os meus moveu-se o anjo da guerra.

(Uma guerra com um tiro se inicia

E logo se propaga como um fogo

Assim a de Canudos principia.)

Não quis lutar nem luta desejei

E se lutei foi para honrar a vida

Ao ver banhada em sangue a minha grei.

A arte da guerra eu ensinei aos meus

Ao enfrentar canhões com espingardas

— Tal arte o militar não aprendeu.

Por nove luas o sol da artilharia

Descia com seus raios sobre o vale

— À noite nossa prece ao Céu subia.

Quando o arraial de obuses foi coberto

Saí ao campo e um mar de baionetas

Eu enfrentei de peito descoberto.

E aqueles cuja face foi banhada

No branco olhar da morte viram a Vida

Da carne ainda aos ossos agarrada.

E foi descendo em nós treva profunda

Enquanto a cada dia novos corpos

Já carne aos brancos ossos não circunda.

Baixaram até o solo o meu povoado

E o Sacrário tão caro a nosso povo

Pelo inimigo foi despedaçado.

Soube o Brasil assim quanto eram fortes

Aqueles cujo sangue misturaram

Ao sangue dos irmãos, juntos na morte.

Sei que ganhei porque não fui vencido:

Nas minhas mãos a Cruz jamais tremeu

Ante a Espada feroz do inimigo

Do meu viver sempre haverá memória.

Lembro os algozes: dizem " Tiradentes!"

Sem exemplos seguir, de sua história

Aqui estou meu Deus com Vossa Lei

E com meu povo vivo eternamente,

Tomei-me um Mito e um mito

                     é mais que um Rei

Por isso estou aqui com minha gente.

César Leal

ANTÔNIO CONSELHEIRO

Cheguei à Terra e em Canudos fiquei.

Cercado pelo muro das colinas

A missão do destino comecei.

Uma Igreja de rústica beleza

De pedra e cal ergui até os céus

Ao Ministro maior da natureza.

Ao concluir a enorme Catedral

Olhei a torre, levando até o bronze

A força do metal contra o metal.

Quando o sino vibrou tremeu a Terra.

A luz do Setestrelo se apagou

E contra os meus moveu-se o anjo da guerra.

(Uma guerra com um tiro se inicia

E logo se propaga como um fogo

Assim a de Canudos principia.)

Não quis lutar nem luta desejei

E se lutei foi para honrar a vida

Ao ver banhada em sangue a minha grei.

A arte da guerra eu ensinei aos meus

Ao enfrentar canhões com espingardas

— Tal arte o militar não aprendeu.

Por nove luas o sol da artilharia

Descia com seus raios sobre o vale

— À noite nossa prece ao Céu subia.

Quando o arraial de obuses foi coberto

Saí ao campo e um mar de baionetas

Eu enfrentei de peito descoberto.

E aqueles cuja face foi banhada

No branco olhar da morte viram a Vida

Da carne ainda aos ossos agarrada.

E foi descendo em nós treva profunda

Enquanto a cada dia novos corpos

Já carne aos brancos ossos não circunda.

Baixaram até o solo o meu povoado

E o Sacrário tão caro a nosso povo

Pelo inimigo foi despedaçado.

Soube o Brasil assim quanto eram fortes

Aqueles cujo sangue misturaram

Ao sangue dos irmãos, juntos na morte.

Sei que ganhei porque não fui vencido:

Nas minhas mãos a Cruz jamais tremeu

Ante a Espada feroz do inimigo

Do meu viver sempre haverá memória.

Lembro os algozes: dizem " Tiradentes!"

Sem exemplos seguir, de sua história

Aqui estou meu Deus com Vossa Lei

E com meu povo vivo eternamente,

Tomei-me um Mito e um mito

                     é mais que um Rei

Por isso estou aqui com minha gente.