Os vagabundos Iluminados - Jack Kerouac
Os vagabundos Iluminados - Jack Kerouac
“Pratique a caridade sem ter me mente a nenhuma noção de caridade, porque caridade, apesar de tudo, não passa de uma palavra.” p. 8
“Porque agora estou tão velho e tão neutro…” p. 8
“Santa Tereza anunciando que, depois de sua morte ela retornaria à Terra por meio de uma chuva de rosas vindo do céu, para sempre, para todas as criaturas vivas.” p. 9
“As mulheres bodisatvas do Tibete e de partes da Índia antiga”, disse Japhy, “eram tomadas e usadas como concubinas sagradas em templos e às vezes em cavernas ritualísticas e acumulavam méritos e meditavam também. Todo mundo, homens e mulheres, meditavam, jejuavam, participavam de festas como esta, voltavam a comer, beber, conversar, passear, morando em viharas durante a estação das chuvas e ao relento na seca, não havia questionamento a respeito do sexo e é por isso que eu sempre gostei da religião oriental. p. 35
“Os telhados de Berkeley pareciam ser lamentáveis abrigos de carne viva para fantasmas amargos da eternidade dos céus que tinham medo de encarar.” p. 39
faculdades não passam de uma escola que dá lustro à falta de identidade da classe média que habitualmente encontra sua expressão perfeita às margens do campus em fileiras de casas abastadas com gramados e um aparelho de televisão na sala e todo mundo olhando para a mesma coisa e pensando a mesma coisa ao mesmo tempo enquanto os Japhys do mundo saem à deriva no mato para ouvir a voz que grita na floresta, para achar o êxtase das estrelas, para descobrir o segredo obscuro e misterioso da origem da civilização sem rosto, que não se maravilha e vive de ressaca. p. 42 (metamorfose ambulante)
Quando a gente está no mato, fica com essa sensação: sempre parece que você já conhece aquele lugar, há muito esquecido, como o rosto de um parente morto há muito tempo, como um sonho antigo, como o trecho de uma canção esquecida que está à deriva sobre a água, mas acima de tudo como eternidades douradas de infancia passada ou de vida adulta passada e todos os vivos e os que estão à beira da morte e o coração que bateu ali há um milhão de anos e as nuvens que vão passando lá em cima parecem servir de testemunha dessa sensação (devido à sua própria familiaridade solitária). p. 66
“E assim que eu gosto, quando se avança simplesmente não há necessidade de conversar, como se fossemos animais e nos comunicássemos por meio de telepatia silenciosa”. p. 66
“É, cara, sabe que para mim uma montanha é um Buda. Pense na paciência, centenas de milhares de anos só paradas ali perfeitamente silenciosas e como se estivessem rezando por todas as criaturas vivas naquele silêncio e só esperando que a gente acabasse com toda a nossa complicação e nossas bobagens.” p. 71
“Smith, você não percebe que é um privilégio praticar o ato de dar presente aos outros.” p. 81
Este pobre rapaz, dez anos mais novo do que eu, está fazendo com que eu pareça um tolo que esqueceu, durante os recentes anos de bebedeira e decepção, todos os ideais e prazeres que conhecia anteriormente, ele não liga a mínima para o fato de não ter dinheiro nenhum: não precisa de dinheiro nenhum, tudo de que necessita está dentro de sua mochila com aqueles pacotinhos de comida desidratada e um bom par de sapatos e lá vai ele desfrutar dos privilégios de um milionário em um ambiente desses. Mas, de qualquer modo, que milionário doente conseguiria chegar a esse rochedo? Nós demoramos o dia inteno para escalá-lo”. p. 81
E, no entanto, toda aquela tarde, ainda mais do que a anterior, estava cheia de antigas premonições ou memórias, como se eu já tivesse estado ali, escalando aquelas rochas, por outras razões mais ancestrais, mais sérias, mais simples. p. 84
Encolhi-me ainda mais na beirada e fechei os olhos e pensei: “Ah, que vida esta, para começo de conversa, para que nascer, só para submeter nossa pobre carne a horrores assim tão impossíveis quanto montanhas enormes e pedras e o espaço vazio”, e com terror me lembrei do famoso ditado zen: “Quando chegar ao topo de uma montanha, continue escalando”. p. 88
Essas coisas não são feitas para pessoas lá de baixo ouvirem. p. 90
Foi como quando a gente é criança e passou o dia inteiro vagando sozinha pelo mato e pelos campos e ao entardecer, quando volta para casa, faz o caminho só olhando para o chão, arrastando os pés, pensando, assobiando, do mesmo modo que os indiozinhos deviam se sentir quando seguiam o pai que caminhava a passos largos do rio Russian até Shasta duzentos anos atrás; como arabezinhos seguindo o pai, o rastro do pai; aquela solidãozinha monótona e agradável, nariz escorrendo, como uma garotinha puxando o irmão menor em cima de um trenó até em casa e os dois cantando musiquinhas inventadas por eles mesmos e fazendo caretas para o chão com toda espontaneidade antes de entrarem na cozinha e terem de assumir uma expressão grave frente ao mundo da seriedade. p.93
Vagabundos do Darma que se recusam a concordar com a afirmação generalizada de que consomem a produção e portanto precisam trabalhar pelo privilégio de consumir, por toda aquela porcaria que não queriam, como refrigeradores, aparelhos de TV, carros, pelo menos os carros novos e chiques, certos óleos de cabelo e desodorante e bobagens em geral que a gente acaba vendo no lixo depois de uma semana, todos eles aprisionados em um sistema de trabalho, produção, consumo, trabalho, produção, consumo, tenho a visão de uma grande revolução de mochilas, milhares ou até mesmo milhões de jovens americanos vagando por ai com mochilas nas costas, subindo montanhas para rezar, fazendo as crianças rirem e deixando os velhos contentes, deixando meninas alegres e moças ainda mais alegres, todos esses zen-lunáticos que ficam aí escrevendo poemas que aparecem na cabeça deles sem razão nenhuma e também por serem gentis e também por atos estranhos inesperados vivem proporcionando visões de liberdade para todo mundo e todas as criaturas vivas, é disso que eu gosto em vocês, Goldbook e Smith, vocês são dois caras da Costa Leste que eu achei que estava morta. p. 102
“Acho que é uma alucinação adorável, mas eu meio que curti a ideia.” “Alvah, o seu problema é que você não pratica seu zazen noturno o bastante, principalmente quando faz frio lá fora, o que é muito melhor, além disso você deveria se casar e ter filhos mestiços, manuscritos, cobertores feitos em casa e leite materno sobre o seu tatame alegre e esfarrapado como este aqui. Arrume uma cabana para morar no mato não muito longe da cidade, gaste pouco para viver, enlouqueça em um bar de vez em quando, escreva e caminhe pelas montanhas e aprenda a serrar tábuas e converse com velhinhas, seu grande tolo, carregue muita madeira para elas, bata palmas em altares, consiga favores sobrenaturais, faça aulas de arranjos florais e plante crisântemos ao lado da porta, e se case pelamordedeus, arrume uma moça humana gentil, inteligente e sensível que não liga para os martinis toda noite nem para todo aquele maquinário branco na cozinha. p. 107
Mas eu tinha minhas próprias ideias e elas não tinham nada a ver com a parte “lunática” de tudo aquilo. Eu queria comprar um equipamento completo com tudo que é preciso para dormir, abrigar-se, comer, cozinhar, na verdade uma cozinha e um quarto completos bem nas minhas costas, e partir para algum lugar e encontrar a solidão perfeita e olhar para o perfeito vazio da minha mente e ser completamente neutro em relação a qualquer e toda ideia. Pretendo rezar também, como minha única atividade, rezar por todas as criaturas vivas; percebi que essa era a única atividade decente que sobrara no mundo. Estar no leito de um rio em algum lugar, ou no deserto, ou nas montanhas, ou em alguma cabana no México ou em um barraco em Adirondack, e descansar e ser gentil, e não fazer nada além disso, praticar o que os chineses chamam de “não fazer nada”. p. 110
sob as estrelas pacíficas que cantavam. p. 124
“Agora as manhãs começavam cedo com os cães alegres” p. 145
“eu sabia perfeitamente que as pessoas ficam doentes utilizando oportunidades físicas para punir a si mesmas por causa da autorregulação inerente a sua natureza Divina” p. 153
sem uma cabine digna de ser mencionada , nada além de uma casca esfarrapada flutuando na água em volta de uma âncora enferrujada. p. 182
você acha que Deus fez o mundo para se divertir porque estava entediado? Porque, se for assim, ele tinha mesmo que ser maldoso. p. 206
“O Oriente e o Ocidente se encontram de qualquer maneira. Pense na maravilhosa revolução mundial que vai acontecer quando o Oriente finalmente encontrar o Ocidente, e são caras como nós que podem dar início a essa coisa. Pense nos milhões de sujeitos espalhados pelo mundo com mochilas nas costas, percorrendo o interior e pedindo carona e mostrando o mundo como ele é de verdade para todas as pessoas.” p. 208
Dicionário:
1 - Essa parte da caridade me lembra a boa vontade do Kant. É algo completamente espontâneop. - p. 8
2 - Essa palavra neutro parece se opor ao fervor que fala quando era religioso. Esse fervor que chamo de paixão parece abandonar-nos quando ficamos mais velhos. Meio que ficamos na cabeça com aquilo de ‘ah tudo passa’. - p. 8
3 - koan - p. 28 4 - lipo, poenta chinesa - p. 30 5 - bodisatva - p. 34 6 - samadi - p. 37 7 - Dharmakaya - p. 38i 8 - satari - p. 38i 9 - samsara - p. 38m 10 - Thatagata - p. 38f 11 - violeta - p. 46 12 - Alfred Lord Tennyson - p. 48 13 - Amadis de Gaule - p. 48 14 - kwannon - p. 49 16 - a fortiori - p. 50 17 - liardi e bread toat - p. 50 18 - john muir - p. 58 19 - han shan - p. 58 20 - shinte - p. 58 21 - lipo 22 - john borroughs - p. 58 23 - paul bunyan - p. 58 24 - kropotkin - p. 58 25 - buck jones - p. 62 26 - natty bumppo - p. 62 27 - shiki - p. 63 28 - Nirmanakaya, Sambhogakaya, Dharmakaya - p. 75i 29 - Surangamy - p. 78 30 - Burme Bayers - p. 79 31 - Paramita de Dana - p. 80 32 - plage - p. 89m 33 - satori - p. 91i 34 - bhikku - p. 97f 35 - haicais, hus e satoris - p. 100i 36 - onde estão as novas do passado? - p. 101i 37 - zende - p. 104i 38 - hakuin - p. 105i