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1958 Fastos do Ceará

Este texto foi originalmente publicado na Revista Instituto do Ceará.

QUIXERAMOBIM

BOANERGES FACÓ

QUIXERAMOBIM: Freguesia a 15 de novembro de 1755, sob a invocação de Santo Antônio de Lisboa ou Pádua de Quixeramobim; município a 13 de junho (dia de Santo Antônio) de 1789 com a denominação de Vila Nova do Campo Maior de Quixeramobim; comarca a 6 de maio de 1833 com a mesma denominação de Campo Maior de Qui- xeramobim e a 14 de agosto de 1856, ainda comarca, mas com a simples denominação de Quixeramobim, com a elevação à categoria de cidade.

Quixeramobim é o centro do Ceará, é o alto sertão, pois fica equi- distante da zona litorânea como o fica da fertilíssima região do Cariri. Não lhe chamo o coração do Ceará, porque a comparação já está muito trivial. Ademais, o Ceará, que constitui um todo harmônico e indivisí- vel, o Ceará árido ou ameno, faminto ou abundante, triste ou alegre, êle todo se acomoda dentro em o coração de cada cearense: seja o vaqueiro ou o jangadeiro, seja o rurícola ou o urbanista, seja o intelectual ou o rústico.

O seu povoamento, à semelhança do que se passou com a histórica Mesopotâmia, cresceu e subiu através de seus rios, seja o Jaguaribe e seus afluentes, seja o Acarau e seus tributários, ou qualquer outro de seu território. O povoamento subia e, à medida que galgava a en- costa do Ceará, situava fazendas que prosperaram e enriqueceram os seus donos que, abastados e rústicos, organizaram a nobreza rural.

O sertão povoou-se, o sertão enriqueceu-se, o sertão opulentou-se. De 1826 a 1876, durante 50 anos, com uma única sêca de permeio (1845), que não teve os efeitos calamitosos da sêca grande da última década do XVIII século e nem as conseqüências desastrosas da de 25, agravadas pelo estrangulamento da liberdade, o sertão encheu-se de gado vacum, cavalar e de outras espécies, dando fôrça e prestígio a seus proprietários que, à maneira dos senhores feudals da média idade, se guerreavam e se destruíam, numa luta titânica, heróica e san- grenta. Estão aí Montes e Feitosas, João André e Cavalcantes, Maciéis e Araújos, Patacas e José Leão e outros potentados, que amealharam grandes fortunas.

No meio dêsses violentos e perversos, uns por índole, à semelhança de Adrets que gozava a Sua sesta, ordenando que os prisioneiros de guerra se precipitassem do alto da tôrre de seu castelo à ponta das armas de seus soldados; outros, simples produto do meio inculto e da época recuada em que viviam, surgiram figuras sua- ves e bondosas como a de José Lopes Barreira. Este, possuindo vastas terras, desde o alto Sitiá até as praias do Aquiraz, se manteve manso e benfazejo, simples e caridoso, que, às vezes, por mera vaidade, de- pois de longas viagens declarava: "Graças a Deus que só andei em terras minhas".


A história eclesiástica de Quixeramobim vem, circunstanciada e exaustivamente, estudada no interessante trabalho de Ismael Pordeus "Antônio Dias Ferreira e a Matriz de Quixeramobim", em 60 artigos sucessivos, em "O Nordeste", trabalho, cuja leitura impressionou a Gustavo Barroso, que escreveu: "A Igreja que criou uma cidade". (Revista "O Cruzeiro", de 30 de junho de 1956).

Os dois mais destacados beneméritos dessa grandiosa obra de amor e fé cristã, na mais central das cidades de nosso querido Ceará, foram o capitão luso Antônio Dias Ferreira e Monsenhor Salviano Pinto Brandão, que não tiveram a ventura, o primeiro, de ver a ca- pelinha do Boqueirão elevada à categoria de Matriz a 15 de novembro de 1755 e nem, o segundo, a conclusão da última reforma por que pas- sou o templo, por uma questão de ano, que nada vale na seqüência dos séculos, mas que muito vale na passageira vida terrena do homem. Mas tiveram a felicidade, assim como os demais benfeitores do velho templo, de contar com Ismael Pordeus, "o documentado e probo his- toriador", para nos dizer o que se passou durante dois séculos, ali.

O Capitão Antônio Dias Ferreira, o fundador de Quixeramobim, comprou no ano de 1702 terras à margem do rio que os primitivos habitantes denominavam de Ibu e nelas situou a fazenda Boqueirão. Ali, decorridos 28 anos, Antônio Dias impetrou mercê para levantar uma capela na Fazenda, de vez que os seus moradores estavam a 30 léguas de distância da Matriz, que era Rússas, no Jaguaribe.

Não se quedou Dias Ferreira com a primeira obtenção eclesiásti- ca. Decorridos alguns anos, obteve nova licença para a construção de outra capela, tudo sob a mesma invocação de Santo Antônio de Lisboa ou Pádua, origem da atual Matriz de Quixeramobim, que através dos anos sofreu modificações para melhor, por intermédio de seus párocos.

A última e grande reforma, que a pôs no estado atual, foi reiniciada em 1902 por Monsenhor Salviano que com o Capitão Antônio Ferreira constituem as "vigas mestras" do sólido templo de Quixeramobim. Dom Joaquim José Vieira, o jovem e forte Padre de sua terra natal ou do Juazeiro do Padre Cícero, em visita pastoral a Quixeramobim, em 1885, sugeriu a reforma atual, que Monsenhor Salviano deu início no ano seguinte.

O início dos trabalhos trouxe uma grande provação ao povo da paróquia, grassando ali grande epidemia, que fêz centenas de vítimas e fêz as autoridades do Município e do Estado tomarem medidas pro- filáticas. Deram como "causa" da peste o revolvimento dos escombros das grossas paredes do velho templo, onde se achavam depositados muitos cadáveres, cujas inalações fétidas em contacto com o ar ambi- ente desenvolveram as febres. Entre as medidas tomadas pela autori- dade pública houve a suspensão dos trabalhos por muitos anos, que foram reiniciados em 1902 por Monsenhor Salviano, que não os pôde concluir, mas teve um digno continuador na pessoa do Cônego Aureliano Mota, irmão acatado do nosso querido Leota, e cujos dons oratórios e ilustração tive de apreciar na Matriz do Carmo nesta Capital. Teve a Matriz a sua inauguração a 15 de agosto de 1916, sendo orador da solenidade o notável orador sacro Frei Marcelino de Milão.

Foi vigário-colado de Quixeramobim o Cônego Antônio Pinto de Mendonça, que encerrou as sepulturas no velho templo e em vida foi ministro de Cristo e político, homem de Deus e do mundo, que fêz um movimento armado, de que falarei mais tarde. Era uma grande inteligência e cultura que teve alta projeção administrativa e parla- mentar.

Dêle vieram à terra cearense filhos notáveis, nascidos em Quixe- ramobim: Antônio Pinto de Mendonça, magistrado, homem de letras e notável parlamentar; e João Damasceno Pinto de Mendonça, antigo promotor em São João do Príncipe e advogado em Cantagalo, no Esta- do do Rio. Tornou-se depois, talvez, no seu tempo, o maior causídico da capital da República. Meu irmão, Dr. José Balthazar Ferreira Facó, trabalhou no escritório dêle e foi seu secretário. Guarda umas razões de advogado em importante questão no fôro do Rio, por êle ditadas, sem minuta e sem uma emenda, em noventa e três (93) tiras de almaço!

A semelhança do Cônego Antônio Pinto viveram os seus colegas Senador Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, Cônego Raimundo Fran- cisco Ribeiro, de Baturité, Padre Domingos Carlos de Sabóia, de Cas- cavel, Padre José Beviláqua, de Viçosa do Ceará e outros, sem es- quecer o Senador José Martiniano de Alencar, que se não foi o melhor e mais útil presidente do Ceará, decerto, foi o maior. Esses ilustres clérigos viviam assim e deram existência a muita gente digna e im- portante, que honra sobremodo o Ceará.


Entre 1750-1760, Antônio Pereira de Queiroz, capitão de cavalaria do Regimento de Jaguaribe (Russas), filho do casal Inácio Pereira de Queiroz Lima e Francisca Cavalcante Vasconcelos de Queiroz, do Barro Vermelho (Banabuiú), e sua mulher Helena
Helena de Oliveira Maciel, filha do casal do Apodi, no Rio Grande do Norte, Capitão Joa- quim Correia de Araújo e de sua mulher Anastácia Maciel de Melo, mudaram-se para o Sitiá, na freguesia de Quixeramobim, onde já mo- ravam irmãos e cunhados do casal Antônio Pereira e Helena Maciel.

Veio em companhia do casal Frei Miguel de Santa Tereza, de quem tratei nestes Fastos (Vide vol. 68 da Rev. do Instituto do Ceará; págs. 261-263).

No mesmo trabalho sobre Frei Miguel tratei de Antônio Pereira de Queiroz que morou durante muitos anos na Serra Azul, no sítio "Natividade", onde lhe nasceram os filhos.

A êsse tempo já morava na fazenda Quixinxé, na ribeira do Pirangi, a família de Balthazar Lopes Barreira e Antônia Barbosa, estabelecendo-se entre as duas famílias íntimas relações de amizade, que deram origem a casamentos entre filhos de Balthazar Barreira e An- tônio Pereira. Outros filhos de Balthazar casaram-se em Russas, Cas- cavel e Aquiraz, de modo que se sucederam os entrelaçamentos em família e com estranhos, estabelecendo-se laços de consanguinidade ou de afinidade entre muitas famílias. R. Torcápio, no seu "Ensaio Ge- nealógico", faz uma boa discriminação de algumas linhagens do Ceará. (Vid. Rev. do Instituto do Ceará, de 1924, pág. 237 usque 341).

Dessas Linhagens, devidamente estudadas, nasceram filhos notá- veis de Quixadá, Cascavel e Beberibe, na sua quase totalidade, e de outros municípios cearenses em menor número, assim como outros que tiveram berço por diversos pontos do território nacional. Assim o foram nàs armas, nas letras demais setores da atividade humana.

Entre êles há vultos de projeção nacional: o estadista Eusébio de Queiroz, o militar Clarindo de Queiroz, o clérigo Hélder Câmara, a escritora Rachel de Queiroz e outros.

Antônio Pereira mais tarde fixou residência na sua fazenda "Cur- ralinho", no Sitiá, onde veio a falecer a 10 de julho de 1774. O piedo- so Frade sepultou-o na Igreja de Quixeramobim. A sua viúva, dona Helena, veio a falecer já no XIX século (1811), mas foi sepultada na capela de Quixadá, abrindo ali o "Jazigo dos Queiroz", onde se enterraram muitos membros da Família.

Em 1789 a povoação de Santo Antônio de Quixeramobim foi ele- vada à Vila Nova de Campo Maior de Quixeramobim, e posteriormen- te, em plena séca grande, Antônio Pereira de Queiroz Lima, filho do Capitão de Cavalaria de São Bernardo, foi eleito juiz ordinário de Campo Maior, eleição que se renovava anualmente. Em 1796 o segun- do Antônio Pereira de Queiroz recebeu como recompensa aos serviços prestados à causa pública a patente de Capitão de Ordenanças de Quixeramobim.

Já no XIX século, Antônio Duarte de Queiroz, neto do Capitão de Cavalaria do Jaguaribe e filho do Capitão de Ordenanças de Qui- xeramobim, ocupou o cargo de juiz municipal de Campo Maior e teve de presidir ao julgamento de Estácio José Gama que, no dia 12 de fevereiro de 1834, ferira de emboscada a Luciano Domingues de Araújo, no momento em que êste seguia para a fazenda Tapuiará para se casar com Joana Batista Barreira, filha do Tenente de Milícias do Tapuiará, Inácio Lopes da Silva Barreira.

Era o primeiro júri que se realizava em Campo Maior, na ausên- cia do juiz de direito togado, na vigência do Código do Processo Cri- minal, de 29 de novembro de 1832, em substituição ao nefando e iníquo Livro V das Ordenações do Reino. O novo código estava ainda nos pri- meiros tempos de sua vigência e o juiz era leigo, com a circunstância importante de a nova lei não exigir a apelação para que fôsse execu- tada a sentença dos homens-jurados.

Ademais, veio posteriormente a lei de 10 de junho de 1835, a lei negra, que bem frisa os sentimentos da época, lei que o Cons. Paula Pessoa estigmatiza nestes têrmos: "...parece uma excrescência no meio das nossas aspirações a tudo o que é conforme a uma civilização sempre crescente..."

Mas era assim...

Que aconteceu a Mororó, a Anta, a Carapinima, a Ibiapina e a Bolão que foram fuzilados, por que não houve quem os quisesse en- forcar? Talvez o mesmo acontecesse a Alencar, a Queiroz Jucá, a Bal- thazar de Queiroz, a Pedro de Queiroz, a José de Queiroz, a Miguel de Queiroz, a João Aires e outros "monstros" de "17 e 24", se não fôssem os movimentos constitucionais que se precipitaram contra o absolu- tismo da Ibéria e suas colônias, se os imperialistas e a "Comissão Militar" já não estivessem fartos do generoso sangue dos liberais, derramado no Nordeste em holocausto a Moloch!...

Que vemos ainda em nossos dias?

A douta e liberal Inglaterra, pela Câmara dos Lordes, rejeitara o projeto de lei que suprimia a pena de morte na Grã-Bretanha. (In "O Nordeste", 11-7-1956).

Esperidião de Queiroz ("Antiga Família do Sertão"), sem ser li- terato ou jurista, mas médico culto e inteligente, justifica, literária e juridicamente, o procedimento de Antônio Duarte de Queiroz, no caso de Estácio José da Gama.

Temos o caso de Joaquim Pinto Madeira, "abrilista", mas homem de ação e destemido ser submetido ao pelotão de fuzilamento sem di- reito "a agravo nem apêlo".

Anos mais tarde, devido a abusos de poder, o art. 79 da lei de 3 de dezembro de 1841, que deu nova redação ao art. 301 da lei de 29 de novembro de 1832, teve opositores, alegando-se que o recurso (ex-officio) era "pouco consentâneo com a instituição dos jurados..."

O cronista de nossos dias, tendo entre si e os fatos históricos ocor- ridos um século de permeio, só pode censurar o que então se passava...

A família Queiroz só se separou, politicamente, de Quixeramobim em 1870, quando Quixadá foi elevado à categoria de vila com o cidadão Laurentino Belmonte de Queiroz, neto do juiz ordinário de Campo Maior, à frente da administração da nova vila do Ceará.


Em 1840-1841, na segunda presidência no governo do Ceará do Senador Alencar, o Cônego Pinto de Mendonça, em campo oposto a seu colega, preparou um movimento armado em Muxuré, de Campo Maior, contando, conforme João Brígido, com "a nata do partido" e com Antônio Cirilo de Queiroz à frente.

Alencar fêz seguir o Tenente-Coronel Pedro de Queiroz Lima, comandante da Guarda Nacional de Cascavel, acompanhado dos oficiais de sua Milícia: João Aires da Silva Olival (João Alves de Olivaes de João Brígido) e Francisco Balthazar Ferreira Facó, e tropa.

Era a primeira vez que membros da numerosa, unida e opulenta família Queiroz agiam em campos opostos. É que Antônio Cirilo, moço Queiroz de Santa Maria, havia se estomagado com um ato legal de Alencar, mal interpretado.

Com a chegada dos pés-de-poeira em Quixeramobim, dispersaram-se os amotinados de Muxuré.

Antônio Cirilo manteve-se contrário aos liberais, tanto que aos 80 anos de idade era do partido oposto ao do parente general Clarindo de Queiroz, Governador do Estado.

Os dois oficiais de Pedro de Queiroz eram igualmente valentes e destemidos, mas João Aires, como o concunhado Pedro de Queiroz, chegava às raias da loucura, enquanto Facó era prudente, razão por que, penso, acompanhava o futuro sogro nessas lutas.

Antônio Cirilo fêz a sua figura com a corneta desconhecida na- quele meio, e quebrou a harmonia de 1891, que proclamava: - "Todos nós somos Queiroz".

A crônica criminal de Quixeramobim teve outras culminâncias nos anos de 1853, 1894 e 1897, a última na Bahia com um filho dali.

Em 1951 vejo a lume o romance "Dona Guidinha do Poço", da autoria do escritor cearense Manuel de Oliveira Paiva, publicação que trouxe grande evidência literária ao autor, tirando-o da penumbra ou anonimato em que, injustamente, estava o seu nome.

Dona Guidinha passa a fazer parte da galeria do Guarani, Ino- cência, Luzia-Homem, Chanaan e outras grandes obras da ficção bra- sília. A literatura do Brasil deve êste notável romance aos cuidados e zêlo com que anos a fio Antônio Sales e Américo Facó guardaram os originais da obra, e perspicácia com que Lúcia Miguel Pereira os descobriu e no-los deu em letra de forma.

O romance foi escrito na época em que a família Lessa, de Quixeramobim, tinha ainda muita importância, e, naturalmente, o Paivi- nha não quis ferir suscetibilidades de pessoas com quem podia até manter relações de amizade.

Oliveira Paiva nos deu a ficção e Ismael Pordeus a realidade: tornaram-se ambos notáveis na cronologia da velha e conhecida cidade do centro do Ceará.

Trata-se do caso verídico de Dona Maria Francisca de Paula Lessa, a Margarida Reginaldo de Oliveira Barros do romance, filha do rico e opulento Capitão-mor de Quixeramobim, José dos Santos Lessa que, a 20 de setembro de 1855, mandara eliminar na cidade a seu marido Coronel Domingos Vitor de Abreu e Vasconcelos, o Major Joaquim Damião de Barros, da ficção.

Assim, importante membro da família Lessa estava envolvido nas malhas de ruidoso processo que abalou o meio rural e a capital da Província.

O julgamento realizou-se em abril de 1856, sob a presidência do Bel. Francisco de Farias Lemos, como juiz municipal na ausência do juiz de Direito, cuja brilhante carreira o levou ao Supremo Tribunal Federal e o fêz antes ocupar a presidência da Província do Ceará e a de seu Tribunal da Relação. Foram seus defensores à barra do Tribunal José Liberato Barroso, que pedira demissão de promotor público de sua terra natal para advogar dona Maria Lessa, e cujo talento, cultura e dons oratórios o fizeram ascender às mais altas posições na política, nas letras e na cátedra; e Leandro Chaves Melo Ratisbona, eximio homem de letras, encantador causeur e notável orador.

Mas, conta-se, foi escolhido a dedo o inteligente e culto bacharel Joaquim Mendes da Cruz Guimarães para ocupar a cadeira da acusação, com a circunstância especial de o presidente da Província, Vicente Pires da Mota, ter aguardado oportunidade para esse memorável julgamento.

Tôda essa gente, em plena mocidade, cintilando inteligência e ex- travasando cultura, deu um brilho excepcional e inapagável à crônica da oratória judiciária na pequena e longinqua Vila de Campo Maior, em abril de 1856.

A imprensa do dia publicou: "O Júri, o Lemos e o promotor Mendes têm sido inexoráveis", acrescentando: "Se a lógica e a eloqüência pudessem salvar a dona Maria Lessa e o Senhorinho, seus patronos teriam conseguido".

Em março de 1895 houve outro júri sensacional com o julgamento de outros membros da família Lessa.

Não era mais a vila de Campo Maior, mas a cidade de Quixeramobim, pois a lei no 770, de 14 de agosto de 1856, da autoria do deputado provincial Américo Militão de Freitas Guimarães, filho de Quixeramobim, que acabou como desembargador da Relação do Ceará, havia elevado a vila à categoria de cidade.

Eram julgados nesse segundo júri dos Lessas o Coronel Teófilo Lessa e seu filho Tenente-Coronel Fausto Lessa, acusados de mandantes da morte bárbara do comendador José Nogueira de Amorim Garcia, outro ilustre filho de Quixeramobim, na noite de 10 de março de 1894.

Foi outro júri sensacional que fêz época nos anais da crônica judiciária do Estado.

Foram advogados dos Lessas, Justiniano de Serpa e Martinho Rodrigues que, sem rendas nem arminhos no berço, foram irmãos nos triunfos oratórios, nos prélios jornalísticos e na adversidade política, sendo desnecessário consignar as altas posições a que chegou o primeiro no palarmento nacional e na administração pública, sem esque- cer o Dr. Francisco de Assis Bezerra de Menezes, outro filho ilustre de Quixeramobim. Era o Dr. Bezerrinha o famoso orador da tribuna do Juri de seu tempo em Fortaleza, que tive de ouvir na acusação a Júlio Nunes de Melo, acusação de que guardei de memória trechos e frases, que não vêm a pêlo citar.

Estêve na acusação o Coronel João Paulino de Barros Leal, outro ilustre filho de Quixeramobim. No processo contra os Lessas figuraram como testemunhas a mulher e uma cunhada do representante do Ministério Público. Seu nome se destacou no cenário estadual com a apresentação de um projeto de lei na Assembléia, propondo a mudança da capital do Estado para Quixeramobim. Estaria legislando para o futuro?...

Ninguém tinha ainda proposto cousa maior para Quixeramobim, salvo a "Liberdade" com que sonhara a invicta cidade, em 24.

Há, contudo, um contraste manifesto, evidente, entre os casos de 1853 e 1894, quanto à responsabilidade de membros da família Lessa: no primeiro, o matador do Coronel Abreu, Manuel Ferreira do Nas- cimento, vulgo Curumbé, numa fuga espetacular com mais 23 presos da penitenciária de Fortaleza, teve, segundo ofício reservado do chefe de Polícia ao presidente da Província (5.5.1856), a conivência dos mandantes do crime, para que ficassem a salvo do co-réu que os po- deria comprometer "quando corresse o Júri!". Enquanto o matador, no caso do comendador Garcia, Irineu Dias, na hora da morte, no mo- mento supremo em que se deixa a vida terrena e se pensa só na eterna, faz confissão pública "de ter sido o único autor do crime..."

Por isso escreve o Barão de Studart: "Dos condenados era um o Coronel Lessa, homem rico, respeitável ancião, que morreu prêso na enxovia de Fortaleza, reduzido à miséria e desonrado e sempre a protestar pela sua inocência. Terrível êrro judiciário". (Datas e Fatos, 1889-1924, pág. 67).

No Júri de Campo Maior, de abril de 1856, foi julgado e absolvido Marcolino João de Queiroz, moço rico e destemido, do casal de Santa Maria e irmão de Antônio Cirilo, acusado na morte de Manuel de Morais Rêgo, vulgo Tartaruga, de quem se disse ser "truculento e am- bicioso".

Marcolino de Queiroz, 50 anos depois, aos 75 anos de idade, na memorável noite de 16 para 17 de fevereiro de 1892, de armas na mão, estêve ao lado do parente governador Clarindo de Queiroz, na defesa do governo legal do Ceará.

Teve seu berço também em Quixeramobim Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro, que teve projeção nacional, à semelhança do Padre Cícero do Juazeiro do Ceará.

A princípio era apenas o visionário de Bom Jesus, que evacuou para se entrincheirar em Canudos, ficando com a alcunha de "Bom Jesus", tudo na gloriosa terra de Ruy Barbosa e Castro Alves.

Já disse num trabalho de minha autoria que essa dolorosa luta fratricida teve um lado bom: deu-nos o maior livro que já se escreveu no Brasil sôbre sociologia: Os Sertões.

Euclides da Cunha escreve: "Canudos era o homísio de famigerados facinoras. Ali chegavam, de permeio com os matutos crédulos e vaqueiros iludidos, sinistros heróis da faca e da garrucha. E êstes foram logo os mais chegados àquele homem singular, os seus ajudantes de ordens prediletos, garantindo-lhe a autoridade inviolável. Eram, por um contraste natural, os seus melhores discípulos". ("Os Ser- tões", pág. 193).

Rocha Pombo escreve: "Os homens estão sempre armados, e dia e noite montam guarda a Antônio Conselheiro; parecem idolatrá-lo; e, cada vez que êle transpõe o limiar da casa em que mora, é logo rece- bido com ruidosas aclamações e vivas à Santíssima Trindade, ao Bom Jesus (era éle) e ao Divino Espírito Santo". ("História do Brasil", vol. X, pág. 408).

No meio em que vivia a família Maciel, no Ceará, as figuras mais intrépidas e ousadas, parece, eram Miguel Mendes Maciel, conhecido por Miguel Carlos, e sua irmã Helena Maciel. Miguel Carlos, ferido num pé e entrincheirado numa palhoça, defende-se de muitos Araújos foge dêles, como por encanto, do casebre incendiado. Helena Maciel es- pezinha o rosto do Araújo morto pelo irmão nas vascas da morte e fica satisfeita com o irmão assassinado (Miguel Carlos), porque êle acaba- va de matar o inimigo, um Araújo, irmão de Luciano Domingues de Araújo, que deveu a Miguel Carlos a sua morte no dia de seu casa- mento com a filha do Tenente de Milícias do Tapuiará.


Oliveira Paiva escreveu o romance-ficção; Ismael Pordeus escreveu o romance-realidade. Os dois se completam. Não pode um trabalho prescindir do outro. Ficção e realidade se confundem

O cotejo feito por Ismael Pordeus entre o romance e os documentos evidencia que o escritor cearense contou a história real de um drama de sangue, que se passou na terra do jornalista que o interpretou.

Arme-se a equação que o resultado será sempre o mesmo: a incógnita será Cajazeiras ou Quixeramobim, de vez que a identificação entre a Vila de Cajazeiras, da ficção, e da de Quixeramobim, da reali- dade, está perfeita, completa, evidentíssima.

Verifica-se da história sócio-religiosa e sócio-política de Quixeramobim que a capela de Antônio Ferreira precedeu de 59 anos à organização política do Município e têrmo de Vila Nova de Campo Maior de Quixeramobim: o início da construção da capela em 1730 e o levantamento do pelourinho de 1789. O romance de Oliveira Paiva informa que o altar precedeu de 59 anos ao pelourinho em Cajazeiras, exatamente como se passou na história da velha cidade.

Ali, na realidade, a árvore da liberdade foi posta no lugar do pelourinho, que no seu tempo significava progresso, mas na realidade violência. O pelourinho: Real! Real! Real! A árvore que o substiuiu: - Liberdade! Liberdade! Liberdade!

Da Cajazeira ali plantada dá João Brígido o seu testemunho de ainda existir no ano de 1900.

Ismael Pordeus ainda constata a diferença de idade entre Dona Maria Lessa e Dona Guidinha, atribuindo isso a um propósito do ro- mancista para estabelecer uma desconformidade, que na realidade não existia, entre a idade de Guidinha e Quinquim.

A humilde capelinha do Capitão Antônio Dias Ferreira transformou-se na grande Matriz de nossos dias e a fazenda Boqueirão na grande Cidade banhada pelo antigo Ibu.

Cabe agora a Ismael Pordeus, aceitando o alvitre de outro digno filho de Quixeramobim, o jornalista Lúcio Lima, enfeixar em volume o seu trabalho, digno da estante dos estudiosos da crônica do Ceará. Eu aconselharia a publicação num volume dos dois trabalhos: "Antônio Dias Ferreira e a Matriz de Quixeramobim" e "A Margem de Dona Guidinha do Poço", porque êles se completam nas pesquisas da história de Quixeramobim.


A heróica cidade do centro geométrico de nosso querido Ceará teve a sua parte de leão nos fastos da liberdade e do republicanismo com que sempre sonharam os povos das terras descobertas por Colombo, Cabral, Magalhães e outros navegadores.

No livro "José Balthazar Ferreira Facó" (In Memoriam) que tenho pronto para o prelo, sôbre meu Pai, há um capítulo (Pesquisas Históricas) que noticia a remessa do "Registro da cópia" do têrmo de "Vereação", de 9 de janeiro de 1824, da Vila de Campo Maior, da comarca do Crato, província do Ceará Grande, que êle faz à redação de "O Cearense".

Era a cessação da "Dynastia de Bragança", a proclamação de um "Governo Salvador" com uma "República Estável e Liberal" e envio de uma "deputação extraordinária" ao General José Pereira Filgueiras, composta do Padre Gonçalo Inácio de Loiola Albuquerque e Melo (Mororó), do Tenente-Coronel Antônio Francisco de Queiroz Barreira (Jucá, filho do Tenente de Milícias do Tapuiará) e de Belarmino de Arruda Câmara. Deliberaram ainda Clero, Nobreza e Povo" que assumisse o novo governo o Capitão-mor José dos Santos Lessa em substituição ao Sargento-mor João Bernardes da Cunha.

Com a remessa dêsse documento e outro de igual importância, José Facó fêz uma carta ao Cearense, de que transcrevo no momento uma parte.

Ei-la: "São poucos os documentos que nos restam a respeito dessa triste época, e isso devido à portaria de 14 de novembro de 1824, que tenho à mão, na qual o imbecil e covarde José Félix, revolucionário de véspera, ordena a tôdas as autoridades da Província "fação aspar de quaesquer livros de sua repartição os officios, diplomas, portarias e quaesquer outros papeis que hajão de conservar a lembrança de tal infamia; como tambem abrazarão os impressos, proclamações, e escriptos apoiadores do systema confederativo ideado, de sorte não appareça nem ao mesmo o vislumbre dessa tristissima luz hoje de todo apagada e que tanto mal causou a Provincia inteira".

"E assim procedeu-se; no arquivo da Comarca daqui passou a vassoura reacionária; os livros do registro têm muitas folhas arrancadas; outras cobertas de tinta; apenas ficaram alguns documentos, não sei por que motivo, os quais pretendo dar à publicidade, a fim de que cheguem ao conhecimento de todos. Nessa ocasião remeto dois a V.S., pedindo-lhe que tenha a bondade de os publicar: o 1o é a ata da sessão extraordinária em que a Câmara de Quixeramobim proclamou a república é o grito de liberdade em 1824-, e o 2o é um ofício da Câmara daqui ao presidente da Provincia, vangloriando-se por ter o povo de seu têrmo assassinado o infeliz herói Tristão Gonçalves, e fazendo valer os seus direitos de prioridade na restauração do Governo Imperial. São Bernardo 29 de janeiro de 1877".

(De "O Cearense" - 18.2.1877).

Quixeramobim em 1832 agia da mesma maneira contra o imperialista Pinto Madeira. Assim é que, dado o ataque e morte de mais de cem homens em São Mateus, pelos "abrilistas", a Câmara Municipal de Quixeramobim tomou em consideração o ataque projetado à Vila do Icó, adotando estas medidas: reuniram-se em pé de guerra na Vila de Campo Malor 200 homens, seguindo 150 para São Gonçalo, sob o comando dos Capitães Antônio Duarte de Queiroz e Manuel Torres Câmara, no dia 22 de abril de 1832, ficando o restante a guarnecer a Vila. O capitão-mor Lessa entrou para essa defesa com trezentos mil réis em dinheiro, angariados entre doze pessoas do Município, para a manutenção da tropa, e êle, pessoalmente, com cem mil réis, mais a sua contribuição pessoal em gado de 28 bois, entre 320 rêses dadas por 147 pessoas do Município, segundo a informação do cronista de Quixeramobim de nossos dias.

Na efêmera e ousada República do Equador os Alencar e Queiroz estiveram unidos no campo da luta, como o haviam estado na marcha contra Cunha Fidié que com os seus se concentraram em Caxias e evacuaram a Vila de Campo Maior, no Piauí, e na passagem dos Alencares presos, sob o comando de Cunha Pedroso, pela ribeira do Sitiá. Tristão Gonçalves e Antônio Pereira, em "17", alicerçaram amizade que os identificou na luta pela liberdade e pela república, em "24".

Assim, Tristão, quando seguiu para Santa Rosa, acompanhado de Queirozes válidos e destemidos, deixou mulher e filhos na Casa-Forte, no Sitiá, fazenda de propriedade e residência de Antônio Pereira, antigo juiz ordinário de Campo Maior de Quixeramobim.


Eu te saúdo, no teu centenário, velha cidade, cujos campos se desdobram em esplêndidas planícies a se perderem de vista nesses ondulosos e trepidantes cromos de verdura, onde as águas fertilizantes de teus rios e regatos deslizam e espalham a fartura por todos os teus recantos!...

Eu te saúdo, no teu festivo jubileu, vetusta cidade, cujos campos, às vêzes, açoitados pela inclemência de um sol de brasa, que te calcina e cresta o vasto planalto, castigado pela crise climática, mas que teus fortes e dignos filhos sabem gozar ou sofrer no seu contraste entre a abundância e a miséria!...

Eu te saúdo, secular cidade do ciclo do gado, cujas campinas na estação hibernal se enchem do panasco e do mimoso a cobrirem o lombo dos nédios e fortes bovinos que te pastam o ubérrimo solo!...

Eu te saúdo, cidade do centro geométrico do Ceará, que nasceste, cresceste e prosperaste na bela e destemida civilização do pastoreio de grandes rebanhos que recheavam a bôlsa de teus robustos e valentes fazendeiros!...

Eu te saúdo, magnífica cidade da Liberdade, que a 9 de janeiro de 1824 vibraste de entusiasmo e içaste a bandeira da República do Equador e soubeste repudiar e sofrer o despotismo que fêz rolar cabeças de mártires pela pregação das idéias e princípios de "89", "17" e "24"!...